quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O estado de negação

Na última semana eu lidei com umas dez mulheres negras se dizendo brancas. Não são mulheres "mestiças": são negras sem dúvida. Daquelas que todo mundo diz que é negra sem nem titubear.
Aí vcs entendem pq é sim importante falar sobre apropriação cultural? Pq empoderamento, apesar dos usos indevidos do termo, tem que ser debatido?
Muita gente não se reconhece/aceita negra pq vê em sua cultura o estigma e a demonização do período colonial. Acreditam que se declarando brancos, morenos, mulatinhos (argh) vão se blindar da crueldade do racismo...
Eu lamento de verdade mas não vou deixar de defender a cultura e ancestralidade preta em nome do "somos todos iguais" vazio de sentido e significado prático jamais

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Visibilidade gorda


Não é uma droga que precise existir uma data pra conscientizar as pessoas que gordxs merecem respeito? Infelizmente isso ainda é necessário e esse dia é hj, 10 de setembro. Pessoas gordas como eu trabalham, dançam, consomem, ficam doentes, vão ao cinema, transam, vivem como qq outra pessoa independente do peso. Não tô fazendo apologia à obesidade não gente, só tô pedindo pra vcs entenderem que encarar o gordo quando ele tá tentando caber no banco do metrô ou dar aquela risadinha quando passa pela gorda na praça de alimentação não te faz ser melhor que eles: apenas te transforma numa pessoa escrota!
Outra coisa, esse discursinho pró saúde já não cola mais; tem um bando de gente magra que se alimenta muito mal e tu não chega nelas dando mil dicas de alimentação, então vaza de perto de mim com suas dietas milagrosas pq essa delícia de corpo gordo eu mesma esculpi e tô mantendo, blzinha? Pro meu bem uma ova, vc quer é estabelecer o seu padrão de beleza na minha vida, já saquei! Faço check-up's regulares e tá tudo lindo: colesterol, diabetes, hipertensão... tudo suave, de boa. Então sua gordofobia disfarçada de preocupação foi desmarcarada... apenas pare!
A gente não quer nem precisa de tratamento especial: só exigimos respeito. Nos recrutamentos de empresas que nos julgam menos capazes, de lojas de roupas que só tem nosso tamanho na Internet ou que nos quer obrigar a usar cores sem graça e modelos ridículos que nos escondem, de médicos que nos olham e já julgam que estamos a beira da morte (só um adendo aqui: um médico já teve que se desculpar comigo depois de ver meus exames e constatar que tava mais saudável que ele - fumante); respeito tbm da mídia que nos representa como gordos e nada além, sem profissão, estado civil, orientação sexual ou o que seja... Somos apenas gordos! Não queremos ser o alívio cômico na novela ou no cinema, muito menos amiga gorda de alguém, pow!
Queremos protagonismo e nada a menos!

Ser gorda é bom mais tem gente que pensa que é ruim



Há pouco tempo atrás quando fiquei solteira, não só uma, mas duas pessoas me disseram que agr seria a hora d'eu emagrecer, pois se não quisesse ficar sozinha precisaria me "cuidar mais"... de repente, quem sabe o ex até voltaria vendo a mudança (presumindo que ele me largou e que foi por eu ser gorda). Minha personalidade radiante, beleza, sex appeal (e modéstia) não contam, né?
Nessa solteirice conversei com pessoas, flertei e fui bastante paquerada e tbm fui pedida em namoro: aí uma "amiga" se disse surpresa com o interesse de homens e mulheres por mim, afinal ela se cuida, malha sempre e segue solteira" (palavras dela). Ou seja: impossível alguém se interessar por essa  plus aqui, sendo que tem magras por aí.
No tutorial de make na Net, tem truques pra disfarçar o meu rosto redondo (quem quer disfarçar blz, mas parece que é defeito ter essa cara de Trakinas que eu amo). Se eu vou comprar roupas tem sempre um vendedor abelhudo me ensinando a esconder minhas gordurinhas do braço gordo ou camuflar meu bundão, aconselhando usar maiô ao invés de biquíni. FODA-SE SOCIEDADE!
Pra assumir meu cargo profissional, vcs acreditam que eu precisei de liminar jucial provando que meu peso não é doença?
Fora a machaiada escrota que age como se fizesse um favor por querer ficar comigo: que gorda na cama é isso e aquilo, que tenho onde pegar como se eu fosse um bife no açougue! Mais se toma um fora: "gorda nojenta, vc não é tudo isso. Ninguém te quer pipipi, popopo" Credo... Deus me defenderay desses ridículos. E ainda tem essa: tô lá falando de boas de assuntos aleatórios quando alguém interrompe minha fala pra dizer: "vc conhece a dieta tal?" Como se padrões fossem tudo o que eu preciso seguir na vida. Vai tomar no cy, meu anjo!
Fiquei anos da minha vida usando camisetão, roupa larga e comprida, tinha vergonha de comer em público e tinha medo de me relacionar afetivamente pra não tirar a roupa perto de ninguém;
Ser gorde é ter sempre alguém julgando onde, como, quando e quanto vc come, como se veste ou se relaciona, onde trabalhar e como viver sua vida... Pra esse povo eu digo: vão transar, quiridons!
Grazadeus eu amo esse corpo gordo feat gostoso e recomendo à vcs o msm. E quem não vos aprecia, que se percam em padrões por aí

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Pequeno dicionário para embustes


Repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres: isso é misoginia. Afromisoginia é quando essa aversão é mais intensa contra a mulher negra.
Tô falando disso pq tá complicado lidar com traços dessa patologia dentro do MN. Mas como professora que sou, gosto é de exemplos.
Já viu quando um cara entra no meio de um debate entre minas querendo fazer o mediador? Então...
Se vc percebe que a mina não se desconstruiu como vc esperava e ao invés de ajudar, vc escolhe expôr e ridicularizar a mana na internet... miga do céu! Tu errou feio, errou rude!
Quando vc fecha com os manos mesmo sabendo das mancadas que eles dão, mas não perdoam um erro das minas... eita, algo errado não está certo
Se o seu "beije sua preta em praça pública" não vem acompanhado de "apoie a mina em qq lugar", mas os amigos homens tu defende até quando faz merda... já sabe, né?
E ao apontar erro no comportamento de mulheres deixando de virar o dedinho pros caras que agem igual, adivinha? A-F-R-O-M-I-S-O-G-I-N-I-A
Aquele famoso "postei e sai correndo" só pra ver as mina tretando, além de infantil é bem misógino, viu?
Fora aquelxs que relativizam o sofrimento da mulher mas enfatizam o do homem. Vcs pegaram a visão?
O que eu quero com esse texto é só lembrar vcs de que a mulher preta tá sempre apanhando de todo lado e quando ela decide que não vai mais apanhar ela vira a neguinha metida do rolê, que problematiza e escolhe demais. Não seja um dos que batem, nem dos que rotulam.

E o dia é do Índio?


Na moral, vocês acham que as populações indígenas do Brasil tem algo a comemorar nesse 19 de abril? Duvido muito...

Sua cultura é marginalizada, comercializada, transformada em fantasia;
Seu território tem sido tomado por aqueles que ainda têm a audácia de demarcar onde viverão;
Com as demarcações, povos de tradição nômade se transformaram forçadamente em sedentários;
Seus direitos enquanto cidadãos lhe são negados;
Em algumas regiões estão entregue à fome e epidemias, graças à intervenções de outras culturas (principalmente da incolor)
Sua religião, infantilizada ou demonizada por muitos; o que depende da denominação cristã à qual pertence os missionários que praticam o novo escambo: trocam roupas e alimentos por um Cristo Salvador que não os salva, apenas condena...

Se algo deve ser feito hoje, é lamentar pelo destino imposto aos donos dessa terra!

Feminilidades

Eu me depilo: axilas sempre, mas o resto só quando a preguiça permite.
Eu me depilo e uso sutiã: não por vergonha dos seios. Mas sou toda renda, laços e meia-taça. Gosto demais!
Me depilo, uso sutiã e pinto as unhas: ninguém me obriga, mas tenho esmalte azul, rosa, preto e muitos outros... ah, e vermelho! Tenho uns 6 tons de vermelho no mínimo.
Depilação, sutiã, esmalte e maquiagem. Pó, base, máscara, delineador e um tanto de batons: mate, acetinado, líquido, cintilante, nude... Quisera eu pudesse ter ainda mais!

Faltou falar que sou feminista. Tudo o que descrevi faz parte da idealização de uma feminilidade forjada com machismo; ser uma mulher que se cuida pra se adequar aos padrões de beleza de uma sociedade que se molda ao gosto dos homens. O patriarcado nos diz como vestir, portar, comer e tudo mais... é, eu sei. Parece confuso, mas explico. Pera lá!

Talvez eu faça e goste disso tudo pra ser reconhecida e me reconhecer como uma mulher. Afinal há tempos mulheres pretas buscam reconhecimento de seu gênero de fato: não como um animal, propriedade, uma parideira, escrava... mero receptáculo de esperma.

Na adolescência não me viam bonita, não me permitiam me achar bonita, pois de cabelo "duro" e nariz largo ninguém pode ser bonito, diziam. Como pode desejar ser admirada com uma pele tão escura?
É dessa época o meu medo de batom rosa, minha vergonha de unhas vermelhas, de usar roupas que marcassem a bunda grande e seios fartos mesmo ainda bem jovem; Eu escondia meu corpo do assédios de homens mais velhos me tratando como gado no pasto. Diziam obscenidades pra mim mesmo aos 13, 14 anos de idade.
Eu era um objeto em exposição, uma espécie "exótica" (ranço dessa palavra), era uma peça de carne na vitrine do açougue, nada que tivesse sequer a possibilidade de usar os acessórios que outras mulheres (brancas) usavam. Mesmo sem ter ouvido falar nela na época, como Sojourner Truth me perguntava: "E não sou uma mulher?"
Por isso hoje uso sim o que quero: muito rosa porque posso e porque é uma das cores de Oxum-Opará (Ora yê yê, ô). Meia-taça pois o peito quem carrega sou eu! Batom e unha vermelha também, pois a pomba-gira ama e fica ótimo com essa melanina maravilhosa.
Com ônus e bônus, sou Mulher e também o seria se não usasse nada disso, anotem, repassem: ser mulher não é isso, mas ter o direito de usar o que gosto porque quero é divíno!
Me adorno e me permito me sentir linda, me apaixonar por cada pedacinho de mim e como uma casa que a gente limpa, arruma e enfeita, assim é meu corpo, meu templo onde me permito ser uma deusa.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Ser uma mãe preta


Você já ouviu falar que mulheres negras são “boas parideiras” ou que seu leite é “mais forte”? Isso é prova de que o racismo interfere na nossa vida até mesmo quando nos tornamos mães. Esses estereótipos são resquícios do período colonial quando a mulher negra tinha suas qualidades medidas como as de um animal:  capacidade de gerar e alimentar a cria, aumentando o lucro do proprietário. Incrivelmente esse imaginário sobre a mãe preta perdura.
Basta analisar dados sobre violência obstétrica. Mulheres pretas são as que mais morrem em complicações no parto por negligência ou imperícia:  60% da mortalidade materna são negras; apenas 27% de grávidas negras tem acompanhamento durante o parto. Dizem que a gente aguenta mais dor que uma mulher branca, então forçam o parto normal mais do que se deve, abandonam-nos a própria sorte enquanto parimos, enfim... preocupante.
Nesse cenário se tornar mãe já é um ato de coragem, mas o que se segue é ainda mais cruel: 
A maioria das mães que criam seus filhos sozinhas, são negras
As que recebem os salários mais baixos, são negras
As que tem menos rede de apoio, também são negras
Desde o início de sua vida materna você vai precisar trabalhar pelo sustento de sua família, restando entregar seu bombonzinho à creche, babá, uma sobrinha adolescente que faz o que pode e cobra baratinho, etc. A convivência com sua razão de vida é diminuída em função da busca pelo pão, leite e fralda de cada dia.
Aí as crianças começam a crescer e vem mais com o que se preocupar: no jardim de infância quando há um surto de piolhos, culpam nossos pretinhos; na escola pedem pra gente lavar, cortar, prender, domar a identidade de nossos filhos expressa na textura de seus cabelos, ah como isso dói na gente! Nos anos seguintes os pequenos por mais que se destaquem nos estudos, não serão eleitos representantes de classe: sua cor não corresponde ao visual de CDF que a gente vê na TV. Tampouco ganharão a eleição de menina (o) mais bonito da sala. De novo nossos filhos não se enquadram no padrão.
Na adolescência o desinteresse afetivo fere a auto estima dos nossos príncipes e princesas e a gente chora junto com eles. E então a questão do gênero aparece junto a de raça:
Se for um menino, aos 15, 16 anos a polícia se transforma em mais uma angústia na nossa vida: vêem em nossos filhos, possíveis bandidos, os abordam com violência, espancam, matam... e nós: “filho não corra na rua, porte seus documentos e não responda nunca ao policial, tire as mãos dos bolsos”; o que podia ser traduzido por um “fique vivo, volte pra casa”. Sendo menina, a hipersexualização e o fetiche sobre a mulher negra faz de seus corpos ainda em formação um objeto de desejo de homens indecentes, asquerosos, pedófilos. Salivam ao ver nossas meninas porque não enxergam a mesma inocência angelical que vêem em meninas loiras de bochechas cor de rosa.
E as mães assistem a isso lutando como podem, tentando proteger e empoderar seus filhos pra que a próxima geração não viva desse jeito.
“Que Oxalá cuide e guie nossos filhos”
Não nego de forma alguma o sofrimento dos pais, no entanto o machismo os livra de muitas aflições das quais não podemos nos esquivar. Além disso, sou mulher, sou mãe então homens... o que eu tenho a ver? Tentei escrever formalmente mas a mãe em mim é maior que a acadêmica. Torçam por mim como torço por vocês.